segunda-feira, 26 de abril de 2010

Revelações de Kafka


Há portugueses que sentem que o sucesso é incompatível com as suas lusas origens. Foi assim com o Colombo (em boa hora resgatado pelo Engenheiro) e com o Dinis Machado, por exemplo. O mais sintomático sinal do défice (cá está ele a espreitar, outra vez) da nossa auto-estima é usarmos um termo pretensamente alheio, "kafkiano", para qualificar a nossa Justiça. É evidente que o Kafka tropeçou num Desembargador e trocou, pelo menos, duas palavras com um Conselheiro de um qualquer tribunal superior. Porém quer-se ignorar que "Der Prozess" foi originalmente escrito em português. Um português burilado a cinzel e que deu água pela barba aos seus tradutores alemães. Portanto, assentemos nisto: se o Camões é ibérico e o Saramago de Lanzarote, então assumamos que o Franz é muito nosso, de Santa Iria da Azóia. É o Francisco Cáfeca. E tudo o que se lhe refira é, como diria o Malaca Casteleiro, cafequiano. De resto, o Castelo, é um livro que o Chico, avant la lettre, dedica ao próprio fazedor de castelos, o casteleiro (personagem maçónica de algum mistério), e ao seu dicionário de entradas promissoras e saídas traiçoeiras, como a língua.
Pois é, o nosso Chico! Nunca ouviram a expressão "meter o chico"? também é inspirada no nosso herói e nas suas relações com a Justiça. Entrado num processo à força (como no serviço militar obrigatório), lá foi ficando e, à míngua de outras oportunidades, optou por nele fazer carreira. E são muitos os que metem o chico nas alçadas portuguesas. O Cruz, por exemplo, arguido à força há mais de 6 anos, daqui a nada tem direito a reforma antecipada imposta pelos autos. Ou os Sás Fernandess, aqui propositadamente no plural. Seja na pele de putativo-tentado-corrompido, um, seja na de delator, o outro, só se livrarão dos respectivos processos quando, num Domingo de Névoa, arribar o D. Sebastião à Torre com a sua armadura debaixo do braço. Uma autêntica muralha de aço (faço notar que o Chico também escreveu sobre a Muralha). Força, força, companheiro.
E assim termina Abril sem que tivesse verdadeiramente começado. Porque se tivesse havido Abril os cravos não murchavam e não, não havia portas na rua. Nem nas urnas. Nem urnas. Seria a vida eterna. A eterna colónia penal de que o Chico também nos falou.

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